Ana Lagoa
Há um ano, já sabíamos que o bicho ia pegar. Tudo estava
mais que anunciado, explicitado descaradamente nas "bombas
semióticas" ou, como queiram, na "novilíngua" dos doutrinadores
midiáticos. Nós, os perplexos acometidos de choques anafiláticos a cada
ignomínia diária, talvez acreditássemos na máxima "o mal não pode ganhar
sempre". Mas ganhou. Despeço-me deste ano, que nos esmagou (embora como
" indivídua" reconheça que foi um ano rico em saúde, afeto, amizade e
o amor, sempre o especial amor), sabendo que somos hoje UMA NAÇÃO RETALHADA.
Alterno meus muito particulares momentos de alegria com outros em que me sinto
como virada do avesso. Em carne viva. Espectadora (sim, porque tenho
consciência plena na minha inutilidade na luta) de um drama que não tem
limites. Os poderosos retalham tudo que foi construído - não pelo PT, Dilma ou
Lula, mas em muitas décadas de lutas, em todos os setores) e seguem - no salão
nobre do palácio - se lambuzando com os pedaços desta terra e de seu povo.
Enquanto isso, nas outras dependências, ratos e lacraias devoram tudo que lhes
parece bom, que lhes passa pela frente, um cargo, uma mesa grande, um carro
oficial, um jatinho, um sorvete, um pedaço de poder. Em cada canto deste país
se processa a incessante desmontagem para que esses seres repugnantes ocupem os
espaços de poder e grana. Mas não se desmonta apenas as estruturas de poder e
de produção. Desmonta-se a identidade, aquilo que o nosso Darcy Ribeiro chamava
de POVO BRASILEIRO. Desmonta-se há décadas. Com o incessante trabalho da midia
lacaia do Império, com a desqualificação do Humano, em novelas e pretensos
programas jornalísticos ou de entretenimento. Desmonta-se quando se derruba a
barreira entre o que é público e o que é da esfera do privado, com aberrações
do tipo BBB. Desmonta-se quando pelo país afora são aniquiladas nossas heranças
culturais, pois enquanto o Governo oficializava o que chamam de "capítal
intangível" (povo e cultura tradicionais), foram sendo banidas nossas
lendas, crenças, um universo simbólico e suas representações sociais,
condenadas e excluídas fisicamente, taxadas de "coisas do demo".
Completa-se com o golpe de 2016 um ciclo de bem arquitetado projeto de
aniquilação de uma Nação que nem bem se reconhecia ainda. A Cultura mais forte,
mais parruda, mais poderosa do continente (para o qual damos as costas e uma
banana sempre que podemos) se desfez, por décadas, sob nossos olhos,
arregalados, possessos ou passivos, acomodados, resignados. O Império sabe o
que faz. São profissionais da empresa do saque. Onde é mais fácil, enviam
bombas. Onde existe uma cultura forte, primeiro destróem suas bases. Eles
sabem, um povo que abre mão de sua cultura se torna vassalo. Não tem energia
vital para a reação em escala suficiente para enfrentar o monstro. A CULTURA de
um povo é sua energia KI, sua kundaline. Sem ela, não há gozo nem luta. Não há
humanidade. Só bonecos vazios, só países em farrapos. Que este ano que começa
passe rápido. E que possamos encontrar formas mais efetivas de resistência. Que
os isolados núcleos de "formiguinhas" achem o link entre si e se
fortaleçam. Que os afro-descendentes se fortaleçam e resistam. Que a
consciência tome lugar na alma brasileira. Porque a guerra mal começou. E vai
durar décadas.
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