Liu Sai Yam
O olhar pagão santifica a serenidade da narrativa sacra, cuja lição maior é o silêncio reflexivo dos andarilhos, refugiados, magos e ruminantes, todos igualados na noite fundamental. E exatamente à meia-noite, quando se afirma a necessidade do silêncio, discípulos do modismo disparam rojões, gritam pelas ruas, acionam a parafernália sonora, em reveillon extemporâneo, impróprio, sem sentido, truculento. Se essa expansividade é agressiva mesmo durante a noite da virada, o que dizer quando cometida por qualquer motivo? O exercício da estupidez mediante a violência contra todos, em democratização sórdida da alegria forçada, da violação do direito à paz. Assim caminha a inumanidade, pais dando exemplo a filhos, adultos instruindo crianças, irresponsáveis reproduzindo irresponsáveis, projeção futura de espancadores, molestadores, estupradores, linchadores, e todo o naipe de cretinos que rimarão festividade com bestialidade. Pasolini, profeta e vítima, anunciou o evangelho "do pavoroso mundo antigo e do pavoroso mundo futuro".
E, apesar
de tudo, nunca abandonou a esperança na beleza que nasce dos
escombros... Por ele, pelos meus, pelo melhor que plantaram em mim (e
que atenua o meu pior), não renego minha cidadania ao gênero humano,
tanto como os que berram alucinados pelas ruas, como os amigos do peito,
os que curtem o santo silêncio.
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